quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Sua excelência a Alfarroba:





Chegado o mês de agosto, é impossível não falar deste fruto maravilhoso e tão importante para a nossa região.
Na Lura, começámos agora o varejo e a apanha desta iguaria, e por isso nos faz todo o sentido a sua apresentação.

A Árvore

A Alfarrobeira é uma árvore que terá chegado ao nosso país trazida pelos árabes da Síria, da Anatólia e do Egito (Valagão, Célio & Gomes, 2015). Da família das leguminosas, a Alfarrobeira produz uma vagem – a Alfarroba – que, no estado final de maturação se apresenta negra, de sabor adocicado e textura adstringente.

Esta espécie possui quatro variedades, sendo a mais comum a “mulata”, e a sua disseminação pelo barrocal algarvio deveu-se essencialmente a dois fatores: é uma espécie extremamente resistente a períodos de seca (continuando a produzir frutos mesmo quando não tem acesso a água por longos períodos de tempo) e propaga-se por estaca ou semente, sendo que esta germina mais facilmente depois ter sido “processada” no sistema digestivo de alguns animais (Lopes, 1841), nomeadamente os Burros que eram usados na agricultura e tinham como principal fonte de energia na sua alimentação a Alfarroba. Deste modo, o próprio trabalho agrícola e a utilização de Burros como meio de transporte e ferramenta de trabalho, contribuíram para a propagação desta espécie.


O Fruto

Ancestralmente usada para a alimentação dos animais, como complemento alimentar das populações mais pobres e para a produção de aguardente ou licores (Lopes, 1841), a Alfarroba é atualmente usada não só na alimentação, mas também nas industrias têxtil, farmacêutica e cosmética.

Atualmente, o fruto começa por ser partido para separar a semente. Pela sua forma e peso bastante regulares, esta semente foi usada historicamente como unidade de medida padrão para a pesagem de diamantes e pedras preciosas, sendo o peso correspondente a uma semente de Alfarroba (200 mg) ainda hoje conhecido como quilate (Valagão, Célio & Gomes, 2015).
É com ela que se produz a goma, com propriedades espessantes, emulsionantes e estabilizantes. Esta, por sua vez, é usada na confeção de gelados, doces, refeições prontas, comida para animais e também nas industrias têxtil, farmacêutica e cosmética (Valagão, Célio & Gomes, 2015).

A polpa da Alfarroba é seca, torrada e moída, sendo esta farinha utilizada na tradicional doçaria Algarvia, e atualmente, como um substituto do cacau em doces comuns. Já começam a ser conhecidas receitas de salame de Alfarroba, torta ou mesmo bolo de Alfarroba (aqui na Lura, já é bem conhecido o nosso bolo de Alfarroba, cozinhado em forno solar durante as visitas).

Com todas estas propriedades e utilidades, a Alfarroba é exportada e constitui uma fonte de riqueza significativa nesta região.

É ainda importante referir que, embora não seja um produto fácil de adquirir nos supermercados e grandes superfícies, onde se encontra junto aos produtos dietéticos ou biológicos, é possível comprar farinha de Alfarroba nos mercados tradicionais algarvios, nas bancas de comércio de sementes e farinhas e em mercearias tradicionais.


A tradição, o convívio e a dieta mediterrânica

O varejo da Alfarroba acontece anualmente, entre os meses de Agosto e Outubro, quando este fruto fica negro, maduro e começa a cair naturalmente da árvore.
Tradicionalmente, é feito por homens e mulheres que se juntam de manhã, bem cedo, e terminam a jorna já bem no final do dia, reservando o período de maior calor para fazer uma pausa para petiscar e descansar um pouco, aproveitando a sombra fresca desta árvore.

Esta é mais uma das atividades sazonais que junta várias pessoas em torno de uma tarefa simples, monótona e metódica, pelo que acaba por promover o convívio e momentos da partilha, que de outra forma não ocorreriam. Era enquanto se ia apanhado, Alfarroba a Alfarroba, e vigorosamente varejando esta árvore, que se ficavam a saber as novidades da aldeia ou da família, que se contavam histórias e se passavam ensinamentos aos mais novos.
Este convívio de sol a sol, baseado numa tarefa física ligada ao campo, com pausa para um petisco frugal, é uma das características fundamentais da Dieta Mediterrânica, como estilo e modo de vida que se mostra bastante saudável, quer em termos alimentares, quer em termos de bem-estar físico e emocional (o contacto com a Natureza e as conversas em grupo sempre foram terapêuticos).

Atualmente, se formos passeando por esse Algarve rural fora, ainda de veem grupos em convívio nesta tarefa, mas também já se vê uma nova geração que faz desta tarefa uma ocupação de Verão e uma forma de ganhar um dinheiro extra durante as férias.

Aqui na Lura, foi assim que comecei a ganhar algum dinheirito só para mim, com a ajuda do pai ou dos irmãos mais velhos que varejavam; era um entusiasmo ir enchendo sacas e imaginando o que o dinheiro da vendas das Alfarrobas iria permitir!

Conservação e futuro

Infelizmente, tal como muitas outras espécies da nossa flora tradicional, também a Alfarrobeira tem diminuído a sua expressão pela região, devido, essencialmente, ao abandono.
No entanto, é importante destacar o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido no âmbito do projeto Proder/Frutalg, para a “Prospeção, recolha, conservação e caracterização de variedades tradicionais de fruteiras algarvias, com interesse para a agricultura portuguesa”, onde se inclui naturalmente a Alfarrobeira. (Marreiros et al., 2015)



Bibliografia utilizada:

Lopes, J. B. da Silva. (1841). COROGRAFIA OU MEMÓRIA ECONÓMICA, ESTADÍSTICA E TOPOGRÁFICA DO REINO DO ALGARVE. Lisboa: Academia Real das Sciencias de Lisboa.
Marreiros, A., Rosa, A., Rodrigues, A., Soares, C., Monteiro, I., Costa, J., … Ramos, N. (2015). Variedades tradicionais de fruteiras algarvias com interesse para a agricultura Portuguesa. Em A. Romano (Ed.), A DIETA MEDITERRÂNICA EM PORTUGAL: CULTURA, ALIMENTAÇÃO E SAÚDE (pp. 225–264). Faro: Universidade do Algarve.

Valagão, M. M., Célio, V., & Gomes, B. (2015). ALGARVE MEDITERRÂNICO: TRADIÇÃO, PRODUTOS E COZINHAS. Lisboa: Edições Tinta da China.