Chegado
o mês de agosto, é impossível não falar deste fruto maravilhoso e
tão importante para a nossa região.
Na
Lura, começámos agora o varejo e a apanha desta iguaria, e por isso
nos faz todo o sentido a sua apresentação.
A
Árvore
A
Alfarrobeira é uma árvore que terá chegado ao nosso país trazida
pelos árabes da Síria, da Anatólia e do Egito (Valagão, Célio &
Gomes, 2015). Da família das leguminosas, a Alfarrobeira produz uma
vagem – a Alfarroba – que, no estado final de maturação se
apresenta negra, de sabor adocicado e textura adstringente.
Esta
espécie possui quatro variedades, sendo a mais comum a “mulata”,
e a sua disseminação pelo barrocal algarvio deveu-se essencialmente
a dois fatores: é uma espécie extremamente resistente a períodos
de seca (continuando a produzir frutos mesmo quando não tem acesso a
água por longos períodos de tempo) e propaga-se por estaca ou
semente, sendo que esta germina
mais facilmente depois ter sido “processada” no sistema digestivo
de alguns animais (Lopes, 1841), nomeadamente os Burros
que eram usados na agricultura e tinham como principal fonte de
energia na sua alimentação a Alfarroba.
Deste modo,
o próprio trabalho agrícola e a utilização de Burros como meio de
transporte
e ferramenta de trabalho, contribuíram para a propagação desta
espécie.
O
Fruto
Ancestralmente usada para a alimentação dos animais, como
complemento alimentar das populações mais pobres e para a produção
de aguardente ou licores (Lopes, 1841), a Alfarroba é atualmente
usada não só na alimentação, mas também nas industrias têxtil,
farmacêutica e cosmética.
Atualmente, o fruto começa por ser partido para separar a semente.
Pela sua forma e peso bastante regulares, esta semente foi usada
historicamente como unidade de medida padrão para a pesagem de
diamantes e pedras preciosas, sendo o peso correspondente a uma
semente de Alfarroba (200 mg) ainda hoje conhecido como quilate
(Valagão, Célio &
Gomes, 2015).
É com ela que se produz a goma, com propriedades espessantes,
emulsionantes e estabilizantes. Esta, por sua vez, é usada na
confeção de gelados, doces, refeições prontas, comida para
animais e também nas industrias têxtil, farmacêutica e cosmética
(Valagão, Célio & Gomes, 2015).
A
polpa da
Alfarroba é seca, torrada e moída, sendo esta farinha utilizada na
tradicional doçaria Algarvia, e atualmente, como um substituto do
cacau em doces comuns. Já começam a ser conhecidas receitas de
salame de Alfarroba, torta ou mesmo bolo de Alfarroba (aqui na Lura,
já é bem conhecido o nosso bolo de Alfarroba, cozinhado em forno
solar durante as visitas).
Com todas estas propriedades e utilidades, a Alfarroba é exportada e
constitui uma fonte de riqueza significativa nesta região.
É ainda importante referir que, embora não seja um produto fácil
de adquirir nos supermercados e grandes superfícies, onde se
encontra junto aos produtos dietéticos ou biológicos, é possível
comprar farinha de Alfarroba nos mercados tradicionais algarvios, nas
bancas de comércio de sementes e farinhas e em mercearias
tradicionais.
A
tradição, o convívio e a dieta mediterrânica
O varejo da Alfarroba acontece anualmente, entre os meses de Agosto e
Outubro, quando este fruto fica negro, maduro e começa a cair
naturalmente da
árvore.
Tradicionalmente, é feito por homens e mulheres que se juntam de
manhã, bem cedo, e terminam a jorna já bem no final do dia,
reservando o período de maior calor para fazer uma pausa para
petiscar e descansar um pouco, aproveitando a sombra fresca desta
árvore.
Esta é mais uma das atividades sazonais que junta várias pessoas em
torno de uma tarefa simples, monótona e metódica, pelo que acaba
por promover o convívio e momentos da partilha, que de outra forma
não ocorreriam. Era enquanto se ia apanhado, Alfarroba a Alfarroba,
e vigorosamente varejando esta árvore, que se ficavam a saber as
novidades da aldeia ou da família, que se contavam histórias e se
passavam ensinamentos aos mais novos.
Este convívio de sol a sol, baseado numa tarefa física ligada ao
campo, com pausa para um petisco frugal, é uma das características
fundamentais da Dieta Mediterrânica, como estilo e modo de vida que
se mostra bastante saudável, quer em termos alimentares, quer em
termos de bem-estar físico e emocional (o contacto com a Natureza e
as conversas em grupo sempre foram terapêuticos).
Atualmente, se formos passeando por esse Algarve rural fora, ainda de
veem grupos em convívio nesta tarefa, mas também já se vê uma
nova geração que faz desta tarefa uma ocupação de Verão e uma
forma de ganhar um dinheiro extra durante as férias.
Aqui na Lura, foi assim que comecei a ganhar algum dinheirito só
para mim, com a ajuda do pai ou dos irmãos mais velhos que
varejavam; era um entusiasmo ir
enchendo sacas e imaginando o que o dinheiro da vendas das Alfarrobas
iria permitir!
Conservação
e futuro
Infelizmente, tal como muitas outras espécies da nossa flora
tradicional, também a Alfarrobeira tem diminuído a sua expressão
pela região, devido, essencialmente, ao abandono.
No entanto, é importante destacar o trabalho que tem vindo a ser
desenvolvido no âmbito do projeto Proder/Frutalg, para a
“Prospeção, recolha, conservação e caracterização de
variedades tradicionais de fruteiras algarvias, com interesse para a
agricultura portuguesa”, onde se inclui naturalmente a
Alfarrobeira. (Marreiros et al., 2015)
Bibliografia utilizada:
Lopes, J. B. da Silva. (1841). COROGRAFIA OU MEMÓRIA
ECONÓMICA, ESTADÍSTICA E TOPOGRÁFICA DO REINO DO ALGARVE.
Lisboa: Academia Real das Sciencias de Lisboa.
Marreiros, A., Rosa, A., Rodrigues, A., Soares, C., Monteiro, I.,
Costa, J., … Ramos, N. (2015). Variedades tradicionais de
fruteiras algarvias com interesse para a agricultura Portuguesa. Em
A. Romano (Ed.), A DIETA MEDITERRÂNICA EM PORTUGAL:
CULTURA, ALIMENTAÇÃO E SAÚDE (pp. 225–264). Faro:
Universidade do Algarve.
Valagão, M. M., Célio, V., & Gomes, B. (2015). ALGARVE
MEDITERRÂNICO: TRADIÇÃO, PRODUTOS E COZINHAS. Lisboa: Edições
Tinta da China.