quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Brincar ao ar livre, aprender e crescer verdadeiramente!


Cada vez se brinca menos ao ar livre. Se olharmos à nossa volta, se compararmos os nossos hábitos na infância com os hábitos das nossas crianças, rapidamente nos apercebermos que as nossas crianças passam menos tempo ao ar livre.

São vários os fatores que conduzem ao sedentarismo das crianças:

- a oferta de entretenimento sedentário é cada vez maior e mais aliciante – nós tínhamos o rádio a a televisão como alternativas ao jogo e à brincadeira de rua, em grupo ou sozinho. Agora, cada vez é mais fácil o acesso aos tablets, telefones (onde a função de telefonar é um acessório), consolas, computadores, etc.

- o fator medo limita as opções parentais – se para os nossos pais era aceitável, perder o filho de vista quando este vai jogar à bola com os amigos na rua, ou deixar atravessar um quarteirão sozinho para ir ter com os amigos ao jardim do bairro, hoje em dia, existe o medo do rapto, dos acidentes, do assédio, e a possibilidade de perder o nosso filho de vista, mesmo que este esteja a brincar num parque infantil a menos de 10 metros de distância, é aterradora.

- toda a família trabalha e trabalhamos mais horas – consequentemente, há menos tempo para estar com as crianças ao ar livre, o horário escolar é maior e quando não é suficiente (o que acontece na maior parte dos casos) recorre-se aos centros de estudos e de ocupação de tempos livres, já que em grande número das famílias, não há a alternativa da “casa da avó ou da tia” onde se vai brincar ao fim do dia.

Este sedentarismo é preocupante e tem consequências!

Porque é tão importante brincar ao ar livre?

Bem, comecemos pelo início, é importante brincar!

Brincar é um direito da criança – “Os Estados Partes reconhecem à criança o direito ao repouso e aos tempos livres, o direito de participar em jogos e atividades recreativas próprias da sua idade e de participar livremente na vida cultural e artística.” é o que podemos ler no artigo 31 da Convenção sobre os Direitos da Criança.

Na Ata Portuguesa Pediátrica de 2013 pode ler-se “As vantagens de brincar verificam-se a vários níveis. Ao favorecer a atividade física, constitui uma estratégia na prevenção da obesidade. Intelectualmente, estimula a aquisição de competências, treino da atenção e capacidade de resolução de problemas. No plano emocional e social, brincar proporciona diversas situações em que é testada a relação com os pares, permitindo desenvolver a resiliência. Além disso, ao transferir para a brincadeira objetos ou fenómenos da realidade externa, a criança constrói as bases para a compreensão de si própria e do mundo, expressando os seus medos e frustrações, mas também a sua criatividade”(Póvoas et al., 2013).

Assim, se brincar é só por si uma forma construtiva de crescer, desenvolver identidade, autonomia e auto-confiança, brincar ao ar livre é mais enriquecedor ainda!

Quando brincamos ao ar livre, temos um mundo natural por explorar...

A exploração espontânea dos espaços, estimula a capacidade de observação, a curiosidade, a criatividade, promove a auto-consciência corporal, o auto-controlo, a autonomia e permite desenvolver mecanismos e competências de resolução de problemas.
Segundo a psicóloga Gabriela Bento, “a possibilidade de brincar ao ar livre, de forma autónoma e espontânea, permite desenvolver competências motoras, sociais, cognitivas e emocionais, que se revelam fundamentais para a vida adulta (e.g. capacidade de tomar decisões, cooperar com os outros).”(Bento, 2015)

Além disso, a Natureza tem o seu ritmo próprio. Assim, estar em contacto com a Natureza, preferencialmente no seu estado puro e não controlado (ir ao Jardim Zoológico é estar em contacto com a Natureza, mas aqui esta encontra-se definida e controlada pelo Homem; já ir à praia ou simplesmente passear no campo, seja num parque natural ou num simples terreno baldio, é uma experiência completamente diferente), não só promove o respeito pelo ambiente, como diminui estados de stress e agitação. 

Quando uma criança tem contacto frequente com a natureza no seu estado puro, aprende rapidamente a dar valor a pequenas coisas e a usar todos os seus sentidos para explorar o que a rodeia. 

Muitas vezes, temos tendência para achar que para fazer uma criança feliz, temos que lhe proporcionar grandes experiências, que uma ida ao Jardim Zoológico, para ver grandes animais exóticos ou ao Oceanário, para ver o que “não podemos ver todos os dias”, isso vai certamente fazê-la feliz, e fará. Mas já pensaram quantas vezes a vossa criança teve tempo e oportunidade para observar uma formiga, ou um bichinho mais esquisito? Quantas vezes o deixaram correr em campo aberto, só porque sim? Já alguma vez subiu a uma árvore? Colecionou conchas ou pedrinhas? Ficou parada a observar o rebanho que passa? Tentou descobrir quantos bichos diferentes estão no chão à sua volta? Descobriu a flor mais linda... Confesso que muitas vezes ainda fico surpreendida com algumas reações de espanto e surpresa dos meus filhos perante coisas que, aos meus olhos de crescido, são simples e banais, mas para eles são maravilhosas, como por exemplo a textura e som de uma folha seca de amoreira, a estrutura de uma teia de aranha, ou uma planta que cresce enrolada noutra.

Se os nossos filhos tiverem mais oportunidades para contemplar a Natureza, estou certa que descobrirão a sua beleza, autenticidade e importância, tornando-se consequentemente em adultos mais completos, respeitadores e felizes.


E escrito isto, vamos brincar lá para fora?




Bibliografia:

Bento, G. (2015). Infância e espaços exteriores – perspetivas sociais e educativas na atualidade. Investigar Em Educação, IIaSérie(4), 127–140.
Póvoas, M., Castro, T., Mateus, A. M., Costa, M., Escária, A., & Miranda, C. (2013). O brincar da criança em idade pré-escolar. Acta Pediátrica Portuguesa, 44(3), 108–12.
Strecht-ribeiro, O., & Almeida, A. (2011). As vivências de Contacto com a Natureza de crianças do 1o ciclo: implicações para o contexto formal e não formal de aprendizagem. Actas Do XIV Encontro Nacional de Educação Em Ciências/ Braga, Universidade Do Minho, 978–989.