Cada
vez se brinca menos ao ar livre. Se olharmos à nossa volta, se
compararmos os nossos hábitos na infância com os hábitos das
nossas crianças, rapidamente nos apercebermos que as nossas crianças
passam menos tempo ao ar livre.
São
vários os fatores que conduzem ao sedentarismo das crianças:
- a
oferta de entretenimento sedentário é cada vez maior e mais
aliciante – nós tínhamos o rádio a a televisão como
alternativas ao jogo e à brincadeira de rua, em grupo ou sozinho.
Agora, cada vez é mais fácil o acesso aos tablets, telefones
(onde a função de telefonar é um acessório), consolas,
computadores, etc.
- o
fator medo limita as opções parentais – se para os nossos pais
era aceitável, perder o filho de vista quando este vai jogar à bola
com os amigos na rua, ou deixar atravessar um quarteirão sozinho
para ir ter com os amigos ao jardim do bairro, hoje em dia, existe o
medo do rapto, dos acidentes, do assédio, e a possibilidade de
perder o nosso filho de vista, mesmo que este esteja a brincar num
parque infantil a menos de 10 metros de distância, é aterradora.
-
toda a família trabalha e trabalhamos mais horas –
consequentemente, há menos tempo para estar com as crianças ao ar
livre, o horário escolar é maior e quando não é suficiente (o que
acontece na maior parte dos casos) recorre-se aos centros de estudos
e de ocupação de tempos livres, já que em grande número das
famílias, não há a alternativa da “casa da avó ou da tia”
onde se vai brincar ao fim do dia.
Este
sedentarismo é preocupante e tem consequências!
Porque
é tão importante brincar ao ar livre?
Bem,
comecemos pelo início, é importante brincar!
Brincar
é um direito da criança – “Os Estados Partes
reconhecem à criança o direito ao repouso e aos tempos livres, o
direito de participar em jogos e atividades recreativas próprias da
sua idade e de participar livremente na vida cultural e artística.”
é o que podemos ler no artigo 31 da Convenção sobre os Direitos da
Criança.
Na
Ata Portuguesa Pediátrica de 2013 pode ler-se “As vantagens de
brincar verificam-se a vários níveis. Ao favorecer a atividade
física, constitui uma estratégia na prevenção da obesidade.
Intelectualmente, estimula a aquisição de competências, treino da
atenção e capacidade de resolução de problemas. No plano
emocional e social, brincar proporciona diversas situações em que é
testada a relação com os pares, permitindo desenvolver a
resiliência. Além disso, ao transferir para a brincadeira objetos
ou fenómenos da realidade externa, a criança constrói as bases
para a compreensão de si própria e do mundo, expressando os seus
medos e frustrações, mas também a sua criatividade”(Póvoas et
al., 2013).
Assim, se brincar é só por si uma forma construtiva de crescer,
desenvolver identidade, autonomia e auto-confiança, brincar ao ar
livre é mais enriquecedor ainda!
Quando
brincamos ao ar livre, temos um mundo natural por explorar...
A
exploração espontânea dos espaços, estimula a capacidade de
observação, a curiosidade, a criatividade, promove a
auto-consciência corporal, o auto-controlo, a autonomia e permite
desenvolver mecanismos e competências de resolução de problemas.
Segundo
a psicóloga
Gabriela Bento, “a possibilidade de brincar ao ar livre, de
forma autónoma e espontânea, permite desenvolver competências
motoras, sociais, cognitivas e emocionais, que se revelam
fundamentais para a vida adulta (e.g. capacidade de tomar decisões,
cooperar com os outros).”(Bento, 2015)
Além
disso, a Natureza tem o seu ritmo próprio. Assim, estar em contacto
com a Natureza, preferencialmente no seu estado puro e não
controlado (ir ao Jardim Zoológico é estar em contacto com a
Natureza, mas aqui esta encontra-se definida e controlada pelo Homem;
já ir à praia ou simplesmente passear no campo, seja num parque
natural ou num simples terreno baldio, é uma experiência
completamente diferente), não só promove o respeito pelo ambiente,
como diminui estados de stress e agitação.
Quando
uma criança tem contacto frequente com a natureza no seu estado
puro, aprende rapidamente a dar valor a pequenas coisas e a usar
todos os seus sentidos para explorar o que a rodeia.
Muitas
vezes, temos tendência para achar que para fazer uma criança feliz,
temos que lhe proporcionar grandes experiências, que uma ida ao
Jardim Zoológico, para ver grandes animais exóticos ou ao
Oceanário, para ver o que “não podemos ver todos os dias”, isso
vai certamente fazê-la feliz, e fará. Mas já pensaram quantas
vezes a vossa criança teve tempo e oportunidade para observar uma
formiga, ou um bichinho mais esquisito? Quantas vezes o deixaram
correr em campo aberto, só porque sim? Já alguma vez subiu a uma
árvore? Colecionou conchas ou pedrinhas? Ficou parada a observar o
rebanho que passa? Tentou descobrir quantos bichos diferentes estão
no chão à sua volta? Descobriu a flor mais linda... Confesso que
muitas vezes ainda fico surpreendida com algumas reações de espanto
e surpresa dos meus filhos perante coisas que, aos meus olhos de
crescido, são simples e banais, mas para eles são maravilhosas,
como por exemplo a textura e som de uma folha seca de amoreira, a
estrutura de uma teia de aranha, ou uma planta que cresce enrolada
noutra.
Se
os nossos filhos tiverem mais oportunidades para contemplar a
Natureza, estou certa que descobrirão a sua beleza, autenticidade e
importância, tornando-se consequentemente em adultos mais completos,
respeitadores e felizes.
E
escrito isto, vamos brincar lá para fora?
Bibliografia:
Bento,
G. (2015). Infância e espaços exteriores – perspetivas sociais e
educativas na atualidade. Investigar Em Educação,
IIaSérie(4), 127–140.
Póvoas,
M., Castro, T., Mateus, A. M., Costa, M., Escária, A., &
Miranda, C. (2013). O brincar da criança em idade pré-escolar. Acta
Pediátrica Portuguesa, 44(3), 108–12.
Strecht-ribeiro,
O., & Almeida, A. (2011). As vivências de Contacto com a
Natureza de crianças do 1o
ciclo: implicações para o contexto formal e não formal de
aprendizagem. Actas
Do XIV Encontro Nacional de Educação Em Ciências/ Braga,
Universidade Do Minho,
978–989.