terça-feira, 28 de abril de 2020

Reencontrando o nosso equilíbrio

Olá a todos,

Obrigado por lerem as minhas palavras.

Hoje quero falar-vos de: miúdos com escola em casa, trabalhos de manutenção de uma quinta, trabalhos de manutenção da casa, estudos dos adultos (cá em casa também temos disso), projetos, criatividade (ora vem, ora vai), inércia (essa grande amiga), rotinas, horários, tarefas (cumpridas, por cumprir e que aumentam todos os dias), refeições, exercício físico, aulas de ballet, pintura, leitura…

Perdoem-me todos os que neste momento mantêm um trabalho fora de casa e que lidam com todos os constrangimentos deste nosso momento global, a quem muito agradeço, mas confesso que por vezes invejo…

Pois é, a inconstância da vida de repente resolveu mostrar-nos que não controlamos tudo e que é preciso mudar, a nossa realidade mudou de repente e “sem aviso, nem pré-aviso da coisa” (Eu oiço esta frase na minha cabeça, na voz da Maria João com o Mario Laginha, música "Sete Facadas").

Por cá, na nossa Lura, passámos por várias fases, pelo deslumbramento de achar que era espetacular ter os miúdos em casa a tempo inteiro, que sem as habituais atividades profissionais, íamos ter tempo para brincar muito mais (pensámos isso, nós e eles), que a casa ia ficar muito mais arrumada, que ia haver tempo para a roupa, para refeições super especiais, para brutais serviços de limpeza e manutenção da quinta com toda a família a trabalhar colaborativamente e super feliz, etc.

Que fase bonita...

E foi-se!

Era apenas uma fase, rapidamente percebemos que 4, todo o dia em casa, desarrumam e sujam, mais que dois, que os dias continuam a ter o mesmo número de horas e continuamos a precisar de dormir, que temos mais tempo uns com os outros, mas isso também significa muito menos tempo sozinhos, cada um com os seus botões e o seu próprio ritmo.

A seguir veio a frustração, afinal o tempo não dá para tudo, afinal não estamos todos bué felizes a fazer coisas lindas juntos e há uns dias em que umas vozes se elevam em tons que, desconfiamos até os vizinhos do outro quarteirão ouvem… E os putos estão nervosos, ansiosos, carentes, etc.

Mais uma fase que passou,

Definem-se rotinas, novas regras, distribuem-se tarefas por todos para não sobrecarregar sempre os mesmos e começa-se a perceber que temos que funcionar assim durante mais tempo, que talvez não seja tão passageiro assim.

Vêm as perguntas, as explicações possíveis para as diferentes idades, a compreensão e respeito pelo tempo e espaço de cada um (quando é possível), mais perguntas, menos explicações…

E houve também (ou talvez ainda haja) os dias do “estou quase a explodir!!!! não estou a fazer nada, não estou produtiva, está tudo a fazer bué cenas on-line, montes de coisas a acontecer nos Facebooks e Instagrams do mundo, e a minha capacidade de trabalho e criativa pufftt!!!!!”

Aqui entra a parte boa de não estarmos sozinhos, todos passam por este momento, alguns de forma mais persistente e duradoura, outros de forma regular, outros só mesmo às vezes, mas há sempre um que percebe, que se chega à frente e explica: “olha que não é bem assim, ontem fizeste isto, já fizeste aquilo hoje, amanhã já tens programado aqueloutro” e a coisa vai passando…

Por isso damos tanta importância às conversas e à partilha, distanciamento não pode ser isolamento, para bem da sanidade mental de todos!

E agora, passadas várias fases, começa a escola em casa!

A sério?!?! Agora que isto estava a equilibrar, (já tínhamos horários e rotinas definidas) toma lá mais novas responsabilidades para todos, toma lá mais competências parentais que nem sabias que devias ter, toma mais mais mil e uma possibilidades para te sentires culpado ou culpada por não conseguires que as tuas 24h do dia rendam as atividades de 48h.

Pronto, voltámos à fase da frustração, do “não sou capaz”, do “mas é suposto fazer tudo isto num dia só?”, do “como não sabes o que é um e-mail?” (sim que cá por casa partiu-se do princípio que os miúdos nascem a saber mexer no e-mail, gerir ficheiros, saber o que são aulas síncronas e plataformas de Internet), do “e ainda é suposto acreditar que vai ficar tudo bem?”

Pois é, preciso explicar melhor esta última fase: “e ainda é suposto acreditar que vai ficar tudo bem?”, é que juntamente com a escola em casa, também vem a perceção clara que o 3º período não vai trazer a retoma das atividades remuneradas da quinta, vamos continuar sem trabalho remunerado, afinal isto vai durar…

E vem novamente a p… da criatividade que não quer dar as caras e a inércia que vira grande amiga de mãos dadas com a culpa, porque nem estou a produzir nem estou a conseguir fazer tudo o que os miúdos precisam e a casa está o caos!!!!

Pronto, sair daqui não é fácil, mas tudo se faz.

Agora estamos numa fase que acho que está a correr melhor, estamos a aceitar…

Aceitar que perdemos o controle,
Aceitar que não temos de fazer tudo,
Aceitar que há dias bons e dias maus,
Aceitar que não sabemos como será daqui a uma semana.
Aceitar que não temos tudo, mas podemos fazer muito com o que temos.

E então, aceitando que atualmente este é o nosso dia normal, que não temos que cumprir à risca todas as propostas escolares, pois se é verdade que os professores estão a fazer um enorme esforço e um ótimo trabalho, também é verdade, que não conhecem, nem podem conhecer a realidade familiar e logística de cada um, portanto, faremos o que achamos que será o melhor considerando as nossas próprias condições.

Assim, resolvemos aplicar em casa, de uma forma mais consciente e focada, aquilo que teoricamente já defendemos e promovemos no nosso trabalho:



E para este novo equilíbrio foi fundamental a criação de algumas novas rotinas e tarefas:

Empatia – coisas tão simples como olhar nos olhos, falar com as crianças ao nível delas, tentar aceitar o seu ponto de vista, ouvir calmamente, permitir sentir a frustração e os problemas, ajudar a resolver, são coisas que sempre fizemos mas que tentamos agora estar mais atentos. A troca de tarefas e a entre-ajuda nas tarefas domésticas também tem ajudado a que cada um valorize mais o lugar do outro e o trabalho do outro.

Resiliência – todos nos ajudamos, mas também promovemos a autonomia e permitimos os erros, as quedas, as aventuras, porque sabemos que só caindo se aprende a levantar (ai os pratos e copos partidos, para aprender a levantar a mesa e lavar a loiça…).

Otimismo – Além do já habitual “bom dia, alegria!” ao chegar ao pequeno-almoço, agora instituímos uma rotina ao jantar que se mostrou ser muito útil: as 3 coisas boas do dia – todos os dias ao jantar um dos elementos da família começa a identificar as 3 coisas boas do seu dia, e convida todos os outros a fazer o mesmo. O resultado é muito interessante, porque acabamos por conversar sobre o nosso dia, e ouvir o mesmo dia por diferentes perspetivas (promovendo também o desenvolvimento de empatia), porque nos força e identificar o que aconteceu de bom, porque nos provoca uma reflexão individual, que permite um balanço e análise, mais ou menos profunda do dia, e por vezes, até conduz à definição de novos objetivos individuais e familiares. São momentos muito interessantes!

Bem-estar – aqui, somos uns privilegiados, vivemos no campo, estamos rodeados de espaço para explorar, com ar puro, animais e montes de atividades para fazer. Desde o tratar dos animais, até ao apanhar caracóis ou fazer a manutenção da horta, passando por andar de bicicleta ou simplesmente trepar às árvores, por aqui o bem-estar é feito do contacto com a natureza.

Responsabilidade – este é o verdadeiro grande desafio familiar, a responsabilidade partilhada, as tarefas partilhadas, e menos peso individual. É claro que há tarefas só dos adultos e outras só das crianças. A responsabilidade cá em casa, anda de mão dada com a autonomia, começámos por colocar um despertador que se ouve em toda a casa, que toca a horas-chave e mostra palavras-chave (como lanche da manhã, aulas de um, aulas do outro, almoço, lanche da tarde…). Este despertador foi uma aposta ganha, assim os pequenos da casa sabem a que horas têm de parar uma atividade e ajudam-se um ao outro a passar para a seguinte (a pequena não sabe ler, mas com a ajuda do mano mais velho, fica a saber o que deve fazer e se precisar de algum apoio prático, pede-lhe a ele ou vem pedir aos pais). Além disso, cada um de acordo com as suas próprias capacidades e motivações, as crianças passaram a participar nas tarefas domésticas, ajudam a lavar loiça, estender roupa, cuidar da horta, tratar dos animais, fazem refeições simples e assim a família é isso mesmo: uma família e não apenas um conjunto de pessoas que partilha o mesmo teto.

E sabem que mais?

Escrever este texto ajudou-me, ainda mais, a aceitar a realidade que tenho e diminuir o sentimento de culpa, por todas as coisas que não estou a conseguir concretizar enquanto profissional ou mãe.
É verdade que os meus filhos não estão a seguir à risca todas a orientações escolares, é verdade que a casa está um pequeno caos, é verdade que não estamos a brincar e fazer tantos jogos de tabuleiro como imaginámos, mas eles estão a crescer bem, responsáveis, autónomos, críticos, conscientes e felizes. Nós estamos num processo de reprogramação pessoal e profissional, que levará tempo, mas confiantes que nos levará a bom porto.

Espero que este texto também possa ajudar quem o lê, tal como me ajudou ao escrever.

Partilho também algumas fotografias das atividades que os pequenos da casa vão fazendo e aprendendo por estes dias:






Semear, transplantar, ver crescer para depois colher, o contacto com a Terra e permanente exercício de paciência, tão bom para perceber que nem tudo acontece num abrir e fechar de olhos.










O mais velho aprende a lavar a loiça, poupando água, e rentabilizando o detergente, alguns pratos e copos partidos depois, já vai sendo eficiente, uma bela ajuda! 





Contacto com os animais: ternura, empatia, afectos...



Todas as manhãs tratamos dos animais, a mais nova adora ir verificar se há ovos e o mais velho já leva os Burros com uma confiança e empatia lindas, conversam de manhã e ao recolher... 



Descascar favas, para ela não é um trabalho mecânico é uma história a cada fava, leva tempo, mas está entretida no seu mundo e quando chega ao fim é uma festa ver a taça cheia para o jantar…





Cada segundo é tempo para mudar tudo para sempre!”

Charles Chaplin


ps – este texto foi escrito em quatro dias diferentes e não faz mal nenhum ;-)