Olá a todos,
Obrigado por lerem
as minhas palavras.
Hoje
quero falar-vos de: miúdos com escola em casa, trabalhos de
manutenção de uma quinta, trabalhos de manutenção da casa,
estudos dos adultos (cá em casa também temos disso), projetos,
criatividade (ora vem, ora vai), inércia (essa grande amiga),
rotinas, horários, tarefas (cumpridas, por cumprir e que aumentam
todos os dias), refeições, exercício físico, aulas de ballet,
pintura, leitura…
Perdoem-me
todos os que neste momento mantêm um trabalho fora de casa e que
lidam com todos os constrangimentos deste nosso momento global, a
quem muito agradeço, mas confesso que por vezes invejo…
Pois
é, a inconstância da vida de repente resolveu mostrar-nos que não
controlamos tudo e que é preciso mudar, a nossa realidade mudou de
repente e “sem aviso, nem pré-aviso da coisa” (Eu oiço esta
frase na minha cabeça, na voz da Maria João com o Mario Laginha, música "Sete Facadas").
Por
cá, na nossa Lura, passámos por várias fases, pelo deslumbramento
de achar que era espetacular ter os miúdos em casa a tempo inteiro,
que sem as habituais atividades profissionais, íamos ter tempo para
brincar muito mais (pensámos isso, nós e eles), que a casa ia ficar
muito mais arrumada, que ia haver tempo para a roupa, para refeições
super especiais, para brutais serviços de limpeza e manutenção da
quinta com toda a família a trabalhar colaborativamente e super
feliz, etc.
Que
fase bonita...
E
foi-se!
Era
apenas uma fase, rapidamente percebemos que 4, todo o dia em casa,
desarrumam e sujam, mais que dois, que os dias continuam a ter o
mesmo número de horas e continuamos a precisar de dormir, que temos
mais tempo uns com os outros, mas isso também significa muito menos
tempo sozinhos, cada um com os seus botões e o seu próprio ritmo.
A
seguir veio a frustração, afinal o tempo não dá para tudo, afinal
não estamos todos bué felizes a fazer coisas lindas juntos e
há uns dias em que umas vozes se elevam em tons que, desconfiamos
até os vizinhos do outro quarteirão ouvem… E os putos estão
nervosos, ansiosos, carentes, etc.
Mais
uma fase que passou,
Definem-se
rotinas, novas regras, distribuem-se tarefas por todos para não
sobrecarregar sempre os mesmos e começa-se a perceber que temos que
funcionar assim durante mais tempo, que talvez não seja tão
passageiro assim.
Vêm
as perguntas, as explicações possíveis para as diferentes idades,
a compreensão e respeito pelo tempo e espaço de cada um (quando é
possível), mais perguntas, menos explicações…
E
houve também (ou talvez ainda haja) os dias do “estou quase a
explodir!!!! não estou a fazer nada, não estou produtiva, está tudo
a fazer bué cenas on-line, montes de coisas a
acontecer nos Facebooks e Instagrams do mundo, e a
minha capacidade de trabalho e criativa pufftt!!!!!”
Aqui
entra a parte boa de não estarmos sozinhos, todos passam por este
momento, alguns de forma mais persistente e duradoura, outros de
forma regular, outros só mesmo às vezes, mas há sempre um que
percebe, que se chega à frente e explica: “olha que não é bem
assim, ontem fizeste isto, já fizeste aquilo hoje, amanhã já tens
programado aqueloutro” e a coisa vai passando…
Por
isso damos tanta importância às conversas e à partilha,
distanciamento não pode ser isolamento, para bem da sanidade mental
de todos!
E
agora, passadas várias fases, começa a escola em casa!
A
sério?!?! Agora que isto estava a equilibrar, (já tínhamos
horários e rotinas definidas) toma lá mais novas responsabilidades
para todos, toma lá mais competências parentais que nem sabias que
devias ter, toma mais mais mil e uma possibilidades para te sentires
culpado ou culpada por não conseguires que as tuas 24h do dia rendam
as atividades de 48h.
Pronto,
voltámos à fase da frustração, do “não sou capaz”, do “mas
é suposto fazer tudo isto num dia só?”, do “como não sabes o
que é um e-mail?” (sim que cá por casa partiu-se do princípio
que os miúdos nascem a saber mexer no e-mail, gerir ficheiros, saber
o que são aulas síncronas e plataformas de Internet), do “e ainda
é suposto acreditar que vai ficar tudo bem?”
Pois
é, preciso explicar melhor esta última fase: “e ainda é suposto
acreditar que vai ficar tudo bem?”, é que juntamente com a escola
em casa, também vem a perceção clara que o 3º período não vai
trazer a retoma das atividades remuneradas da quinta, vamos continuar
sem trabalho remunerado, afinal isto vai durar…
E
vem novamente a p… da criatividade que não quer dar as caras e a
inércia que vira grande amiga de mãos dadas com a culpa, porque
nem estou a produzir nem estou a conseguir fazer tudo o que os miúdos
precisam e a casa está o caos!!!!
Pronto,
sair daqui não é fácil, mas tudo se faz.
Agora
estamos numa fase que acho que está a correr melhor, estamos a
aceitar…
Aceitar
que perdemos o controle,
Aceitar
que não temos de fazer tudo,
Aceitar
que há dias bons e dias maus,
Aceitar
que não sabemos como será daqui a uma semana.
Aceitar
que não temos tudo, mas podemos fazer muito com o que temos.
E
então, aceitando que atualmente este é o nosso dia normal, que não
temos que cumprir à risca todas as propostas escolares, pois se é
verdade que os professores estão a fazer um enorme esforço e um
ótimo trabalho, também é verdade, que não conhecem, nem podem
conhecer a realidade familiar e logística de cada um, portanto,
faremos o que achamos que será o melhor considerando as nossas
próprias condições.
Assim,
resolvemos aplicar em casa, de uma forma mais consciente e focada,
aquilo que teoricamente já defendemos e promovemos no nosso
trabalho:
E
para este novo equilíbrio foi fundamental a criação de algumas
novas rotinas e tarefas:
Empatia
– coisas tão simples como olhar nos olhos, falar com as crianças
ao nível delas, tentar aceitar o seu ponto de vista, ouvir
calmamente, permitir sentir a frustração e os problemas, ajudar a
resolver, são coisas que sempre fizemos mas que tentamos agora estar
mais atentos. A troca de tarefas e a entre-ajuda nas tarefas
domésticas também tem ajudado a que cada um valorize mais o lugar
do outro e o trabalho do outro.
Resiliência
– todos nos ajudamos, mas também promovemos a autonomia e
permitimos os erros, as quedas, as aventuras, porque sabemos que só
caindo se aprende a levantar (ai os pratos e copos partidos, para
aprender a levantar a mesa e lavar a loiça…).
Otimismo
– Além do já habitual “bom dia, alegria!” ao chegar ao
pequeno-almoço, agora instituímos uma rotina ao jantar que se
mostrou ser muito útil: as 3 coisas boas do dia – todos os dias ao
jantar um dos elementos da família começa a identificar as 3 coisas
boas do seu dia, e convida todos os outros a fazer o mesmo. O
resultado é muito interessante, porque acabamos por conversar sobre
o nosso dia, e ouvir o mesmo dia por diferentes perspetivas
(promovendo também o desenvolvimento de empatia), porque nos força
e identificar o que aconteceu de bom, porque nos provoca uma reflexão
individual, que permite um balanço e análise, mais ou menos
profunda do dia, e por vezes, até conduz à definição de novos
objetivos individuais e familiares. São momentos muito
interessantes!
Bem-estar
– aqui, somos uns privilegiados, vivemos no campo, estamos rodeados
de espaço para explorar, com ar puro, animais e montes de atividades
para fazer. Desde o tratar dos animais, até ao apanhar caracóis ou
fazer a manutenção da horta, passando por andar de bicicleta ou
simplesmente trepar às árvores, por aqui o bem-estar é feito do
contacto com a natureza.
Responsabilidade
– este é o verdadeiro grande desafio familiar, a responsabilidade
partilhada, as tarefas partilhadas, e menos peso individual. É claro
que há tarefas só dos adultos e outras só das crianças. A
responsabilidade cá em casa, anda de mão dada com a autonomia,
começámos por colocar um despertador que se ouve em toda a casa,
que toca a horas-chave e mostra palavras-chave (como lanche da manhã,
aulas de um, aulas do outro, almoço, lanche da tarde…). Este
despertador foi uma aposta ganha, assim os pequenos da casa sabem a
que horas têm de parar uma atividade e ajudam-se um ao outro a
passar para a seguinte (a pequena não sabe ler, mas com a ajuda do
mano mais velho, fica a saber o que deve fazer e se precisar de algum
apoio prático, pede-lhe a ele ou vem pedir aos pais). Além disso,
cada um de acordo com as suas próprias capacidades e motivações,
as crianças passaram a participar nas tarefas domésticas, ajudam a
lavar loiça, estender roupa, cuidar da horta, tratar dos animais,
fazem refeições simples e assim a família é isso mesmo: uma
família e não apenas um conjunto de pessoas que partilha o mesmo
teto.
E
sabem que mais?
Escrever
este texto ajudou-me, ainda mais, a aceitar a realidade que tenho e
diminuir o sentimento de culpa, por todas as coisas que não estou a
conseguir concretizar enquanto profissional ou mãe.
É
verdade que os meus filhos não estão a seguir à risca todas a
orientações escolares, é verdade que a casa está um pequeno caos,
é verdade que não estamos a brincar e fazer tantos jogos de
tabuleiro como imaginámos, mas eles estão a crescer bem,
responsáveis, autónomos, críticos, conscientes e felizes. Nós
estamos num processo de reprogramação pessoal e profissional, que
levará tempo, mas confiantes que nos levará a bom porto.
Espero
que este texto também possa ajudar quem o lê, tal como me ajudou ao
escrever.
Partilho
também algumas fotografias das atividades que os pequenos da casa
vão fazendo e aprendendo por estes dias:
Semear, transplantar, ver crescer para depois colher, o contacto com a
Terra e permanente exercício de paciência, tão bom para perceber que nem
tudo acontece num abrir e fechar de olhos.
O mais velho aprende a lavar a loiça, poupando
água, e rentabilizando o detergente, alguns pratos e copos partidos
depois, já vai sendo eficiente, uma bela ajuda!
Contacto com os animais: ternura, empatia, afectos...
Todas as manhãs tratamos dos animais, a mais nova adora ir verificar se
há ovos e o mais velho já leva os Burros com uma confiança e empatia lindas,
conversam de manhã e ao recolher...
Descascar favas, para ela não é um trabalho mecânico é uma
história a cada fava, leva tempo, mas está entretida no seu mundo e
quando chega ao fim é uma festa ver a taça cheia para o jantar…
“Cada
segundo é tempo para mudar tudo para sempre!”
Charles
Chaplin
ps
– este texto foi escrito em quatro dias diferentes e não faz mal
nenhum ;-)